quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Uma noite qualquer.


Por: Ricardo Oliveira
Edição: Beatriz Marques Oliveira



Ele se escondia atrás do sofá com o coração palpitante, enquanto ela berrava para tentar conter o choro.
– Canalha! Seu miserável! – entre um insulto e outro ela limpava as lágrimas de seu rosto, já borrado devido a maquiagem.
Até que de súbito veio o silêncio, e naquela sensação de segurança, ele achou que o pior já havia passado, achou também que era a chance de contra-argumentar. Com cuidado foi se levantando, e quando seus olhos já estavam quase à altura de vê-la, a única coisa que pode fazer foi deitar-se novamente, numa tentativa de se esquivar do cinzeiro que vinha voando em sua direção. Pôde-se ouvir o som do cinzeiro de vidro se quebrando na parede a casas de distância.
– Sua maluca! Vai acordar todo mundo!
– Que acordem! Assim vão saber o safado que você é!
            – Do que você está falando?! Você também não é nenhuma santa!
“Meus deus, como chegamos nisso?” pensaram ambos com tristeza.
De fato, os caminhos percorridos até aquele momento talvez possam nos explicar algo. Vamos então voltar um pouco no tempo, ao início da noite mais precisamente.


O som do secador de cabelo era algo que ele já não aguentava mais ouvir.
– Vai logo com isso! – gritou ele enquanto batia na porta do banheiro.
 Após alguns segundos o barulho cessou, e a porta se abriu.
– Disse alguma coisa? – Respondeu ela com um sorriso inocente.
– Ahn eu disse... – Ela estava tão linda que as palavras simplesmente fugiram de sua boca.
– Oi, você ainda está ai? – Perguntou ela tentando restabelecer contato.
Ela é bonita e sabe, mas tenta não fazer disso armas contra ele. Afinal de contas, que defesas temos nós contras as artimanhas femininas?
– Você já está pronta? – Ele respondeu com cara de perdido.
– Quase, só falta a maquiagem.
– Maquiagem?! Sério que você vai passar maquiagem?
– Querido, você sabe que eu não saio sem o básico, e é “fazer maquiagem”, não “passar maquiagem” . –  Disse ela quando estava em frente ao espelho, aplicando uma leve sombra sobre os olhos.
– É só uma festa, não um evento social.
– Você fala como se só quisesse beber.
– Amor, a festa é open-bar, óbvio que a primeira intenção é beber.
– Ai, como você é fútil.
– Não se faça de santa, eu sei que você vai beber muito mais do que pagou. E além do mais, não se esqueça que nós nos conhecemos numa festa dessas.
– Aiai, verdade. Você se lembra como estávamos bêbados? – Ela comentou enquanto tentava não rir para não borrar a maquiagem.
– Ahh se me lembro! Ao menos lembramos de nos procurar no dia seguinte.
– Eu tive que te ligar né? – Ela questionou, enquanto observava o reflexo dele no espelho, talvez apenas para analisar sua feição, ou ver como ele reagiria.
– Questão irrelevante. – Ele respondeu, com um olhar de quem não liga de perder uma discussão ou outra apenas para agradar.
– Estou pronta, vamos?
E ele pela segunda vez ficou encantado com a estonteante beleza de sua namorada.
– Sabe, acho que você está muito bonita para ir numa festa qualquer. Que tal se você ficar? – Perguntou ele tentando brincar.
Ela então se aproximou aos poucos, agarrou sua cintura, colocou seu rosto próximo ao dele, beijou seu pescoço e disse:
Que tal se, NÓS ficarmos?
– É uma boa ideia, pena que já pagamos. – Esboçou um sorrisinho malicioso.
– Verdade, então vamos? – E lhe deu um leve beijo.
– Sim, vamos.



Não demorou muito para que chegassem. A festa acontecia num lugar bem interessante, longe da cidade na verdade, um sítio. Havia altas palmeiras iluminadas por luzes coloridas, próximo a elas uma piscina, onde seguranças mal encarados impediam que alguém tivesse alguma ideia estúpida. O lugar estava lotado, pessoas conhecidas, desconhecidas e possíveis novas amizades, se esta fosse a ideia, claro. Mas nada disso dizia algo a nossos protagonistas. Para eles, desde que a bebida não fosse falsa e estivesse sempre gelada, tudo indicaria que aquela seria uma boa noite.
Assim que chegaram trataram logo de conseguir bebidas, foram à um lugar mais tranquilo, sem muitas pessoas, ela então o obrigou a buscar os dois primeiros copos de cerveja da noite. Ele, sem hesitar, a deixou e foi até o bar.
O ambiente se encontrava em estado de calamidade, era impressionante como já havia pessoas bêbadas, isso porque a festa mal começara. Quando finalmente colocou as mãos nos copos, sentiu um tapa em suas costas, o que o fez derrubar metade do conteúdo de um deles. Ele se virou, pronto para pronunciar o primeiro palavrão da noite, mas desistiu quando viu Bruno, seu colega da faculdade.
– Cara você veio! – Bruno berrou.
– Sim eu vim! – Ele berrou também, apenas para deixar as coisas equilibradas. E continuou: – Mas se soubesse que você viria, eu teria pensado melhor.
– Também te amo. – Bruno respondeu rindo.
Sim, ele era uma das pessoas já bêbadas.
Bruno retomou:
– Ao menos você veio sozinho, né?
– Sozinho? Claro que não! Ela também veio.
– Ahh, não acredito que você trouxe sua namorada para uma festa dessas!
– Ué? E qual é o problema?
– Para mim nenhum, afinal assim sobra mais mulher. – Bruno riu.
– Melhor eim!
  Sim, você vai ver, daqui a pouco vão estar todas chapadas, é ai que eu entro.
– É melhor você ir se preparando então... Olha o papo está bom, mas ela está me esperando. Te vejo depois.
– Ok. Falou, até mais. Diga que mandei um abraço.
– Digo sim.
Voltou para ela e lhe entregou o copo que ainda estava cheio.
– Nossa, demorou hein. – Ela reclamou.
– Culpe o Bruno.
– Ah ele está aqui?
– Sim, e te mandou um abraço.
– Aposto que já ta louco.
– Exato, louco e esperando.
– Esperando o que?
– Diz ele que está esperando as mulheres ficar chapadas, pra começar a pegar.
– Esse seu amigo é um estrategista nato!
– Cada um tem seu método , né?
– Não sei, só sei que essa cerveja quente é horrível.
– Verdade, joga isso fora. Vou pegar umas geladas dessa vez.
– Ah, deixa que eu vou. Vai que você tromba com outro amigo.
– Bom, já que você insiste, eu vou sentar naquele banco ali. – Ele então apontou para um banco de pedra que ficava em baixo de uma palmeira, um lugar sossegado e fácil de encontrar.
Quanto ela já estava saindo, ele gritou:
– Ei! Espera, me dá um cigarro.
Ela voltou e entregou para ele um maço que estava dentro de sua bolsa. Ele abriu, jogou o plástico no chão e retirou o primeiro cigarro, acendeu e fico observando enquanto sua amada se embrenhava em meio a multidão até finalmente sumir.

Enquanto ele fumava, ela chegava no bar. E assim como antes, o bar estava tumultuado, porém a essa altura já havia mais cerveja no balcão do que dentro das próprias garrafas. Quando ela ia levantar a voz para tentar conseguir a cerveja, ouviu um grito, na verdade era seu nome, se virou e viu quem era a fonte do tal chamado, sua amiga Amanda.
-Ai, você veio amiga! – Amanda exclamou com alegria.
-Sim. Você também! – Ela respondeu com certa alegria.
Eram muito amigas, se conheceram no primeiro ano de faculdade e a esta altura já eram como irmãs, embora houvesse diferenças entre elas, sobretudo quando se tratava de questões do coração. Enquanto ela achava que sempre é possível amar, assim como podemos perceber quando vemos o relacionamento de nosso casal favorito, Amanda achava que o amor nada mais era do que uma perda de tempo. Mas também, ninguém pode dizer que a coitada não tentou, mas a verdade é que apenas o piores cruzaram seu caminho. Enfim lá estavam ambas na frente daquele bar, úmido e fedorento.
– Me conta amiga! Você veio sozinha!? – Amanda perguntou.
– Não né bem!
– Ah, então você ainda não terminou?
– Porque? Deveria?
– Ah não sei, achei que não ia dar certo.
– Bom, por enquanto está dando.
– Calma amiga, você sabe como eu sou com essas coisas né? – Amanda então riu.
– Sim, claro que sei, você é uma boba de não acreditar nessas coisas.
– Boba? Eu cansei é de ser feita de boba, isso sim!
– Ah quem sabe esta noite você não encontra um gatinho que te dê valor, heim?
– Quem sabe eu já não tenha encontrado? – Amanda fez cara de mistério.
– Ai que bom! Me conta então amiga, quem é o da vez hein?
– Segredo, juro que depois te conto todos os detalhes!
– Ai promete miga?
– Prometo!
– Então tá, agora tenho que ir!
– Ah sim, claro, seu namorado te espera.
– Pode apostar!
Se despediram brevemente, e então Amanda sumiu. Ela pegou os copos de cerveja e retornou.

Nesse meio tempo, em que sua namorada saiu em busca de cerveja, ele fumou o cigarro e ficou esperando. Eis que surge em meio as pessoas um rosto familiar. Era Lara, a última mulher com quem ele se envolveu antes do namoro.
– Ei! Lara! – Ele gritou e acenou.
Ela então veio até ele, estava sozinha, uma mulher deslumbrante, cabelos loiros, alta, e um corpo escultural.
– Oi querido, o que faz aqui sozinho? – Ela perguntou curiosa.
– Ah, estou esperando minha namorada voltar com a cerveja.
– Safado! Começou a namorar e nem me contou?
Algo que deve ser dito aqui: embora ele e Lara se dessem bem, ambos sabiam que aquilo não iria muito longe, então decidiram terminar enquanto eram amigos, e assim restou a amizade.
– Ah, faz tempo que a gente não se vê né? – Ele questionou com um sorriso bobo. Um sorriso de felicidade, felicidade em reencontrar a velha amiga.
– Sim sim. Eu fui fazer alguns cursos fora so país, voltei acho que mês passado.
– E o que te ocupou tanto hein?
– Eu conheci uma pessoa, ai você já sabe o resto.
– Então estamos quites, eu não te contei do meu namoro, nem você do seu.
– Sim, certíssimo. – ela riu.
– E qual o nome dele?
– Não é ele, é ela.
– Como assim ela?! – Perguntou com espanto, ao mesmo tempo em que sua cara demonstrava claramente uma certa curiosidade.
– Sim ela! O nome dela é Amanda. Provavelmente você não conhece.
– Na verdade eu conheço uma Amanda, mas não deve ser a mesma pessoa. Essa que eu conheço é uma mal-amada. Amiga de minha namorada na verdade.
– Ah, então não deve ser.
– Onde ela está?
– Foi pegar bebida, nossa, verdade onde será que ela está? Já faz um tempo que ela foi.
– Acho melhor você ir procurar ela hein. – Ele riu. Também pensando onde sua namorada estaria.
– É, vou atrás dela!
Se despediram, e Lara foi procurar Amanda.

Ele já começara a se preocupar, quando finalmente a achou em um canto escuro, quase aos prantos. Embora sua vontade fosse de chorar, ela se controlou quando o viu chegando, fez a cara mais fechada que pôde e disse:
– Vamos embora. – Sua voz era decidida e totalitária.
– Embora? Como assim?
– Ficou surdo é? Eu disse vamos embora!
– Mas nós não bebemos nada.
– Se você não quiser ir embora comigo eu vou sozinha!
– Sozinha? Tá doida?
– É você quem escolhe.
– Tudo bem, vamos embora então!
Ele já estava achando aquilo tudo uma palhaçada, aquilo não era charminho, algo tinha acontecido. Entraram no carro e ele foi dirigindo. Embora ele tentasse fazer algum contato, conseguir algum tipo de informação que o ajudasse a descobrir o que havia acontecido, ela não recuava, de nada adiantaram suas investidas, nenhuma palavra saia da boca dela.

Quando finalmente chegaram em casa, ela entrou primeiro, bateu a porta com tanta força que parecia que os batentes tivessem sido quebrados. Ele então fechou o portão, mas tentou demorar um pouco para entrar, pensava em tudo que acontecera naquela noite, e não chegara a conclusão alguma. Quando finalmente entrou em casa, ela estava em pé no meio da sala, virou-se para trancar a porta, e ouviu o barulho de um vaso se quebrando na parede à sua direita. Ele então se jogou no chão, e voltou a olhar para ela.
– O próximo eu não vou errar seu canalha! – disse ela gritando.
Ele se esgueirou até o sofá e lá ficou, paralisado e atônito.
Agora que os porquês já foram parcialmente explicados, vamos então aos finalmente.
– Posso sequer perguntar qual o motivo de tudo isso?
– Você acha que eu não te vi conversando com a Lara né?! Você acha que eu sou idiota ou o que? – Ela continuava a gritar.
“Sim claro! Só podia ser isso”. Ele pensou
Tá, e qual o problema?
– O problema?! Muito normal mesmo você conversar todo alegrinho com a sua ex- gostosona.
Ele então começou a rir descontroladamente.
– E ainda tem coragem de rir da minha cara! – Disse isso e jogou mais um vaso contra a parede.
– Calma amorzinho! – Disse isso quase rindo.
– Ah, então você ainda faz graça? Cachorro!
Ele então se controlou, se levantou de trás do sofá, caminhou até ela com um sorriso, a agarrou e disse em seus ouvidos.
– Ela virou lésbica.
– O que?!
– É isso mesmo, já tem até alguém.
– Eu não acredito em você seu ordinário, tá achando que vai me enganar com essa desculpinha?
– Pode acreditar, nunca disse tamanha verdade.
– E você vai provar como?
– Ainda não sei. Pensando bem, ligue para aquela sua amiga, a Amanda.
– Ela deve estar na festa ainda, e olha, não vem mudar de assunto não, porque ela não tem nada a ver com isso.
– Ligue, e pergunte com quem ela está.
Ela então decidiu dar uma chance. As vezes o beneficio da dúvida é o melhor que temos a dar.
– Alô?... Amanda?... Me fala com quem você está... Não pergunte o por quê... Sozinha?... Sério se você tem algo a me dizer, por favor, me diga agora... Com quem?... Lara?... Loira?... Gostosa?... Tudo bem então, depois você me conta melhor... Beijos.
– Viu? – Ele então perguntou.
Embora por dentro ele estivesse aliviado por seu palpite estar certo, ele tentava não demonstrar nenhum tipo de reação maior.
Ela então começou a chorar, se deitou no chão da sala e se desmoronou em lágrimas.
– Me desculpe, por favor! Como eu fui fútil, como eu fui idiota.
– Calma, você não tem culpa de nada. Só fez o que seu coração mandou, só isso.
– Mas eu estraguei a nossa festa.
Ele pegou no rosto dela secou suas lágrimas, e disse:
– Nossa festa acontece onde nós estivermos.
– Você não está bravo comigo?
– E porque estaria? A cerveja lá não era das melhores mesmo.
Ela então riu e disse:
– Ai você sempre sabe como me fazer rir.
– Deve ser por isso que você ainda está comigo.
Ela o abraçou e disse em seu ouvido.
– Não, eu estou com você porque eu te amo!
– Eu também te amo idiota. Mas eu tenho uma pergunta.
– Que pergunta?
– Será que eu sou tão mal amante assim para a Lara ter virado lésbica?
– Não seja bobo! – ela então voltou a rir.
– O que você acha de nós terminarmos a nossa festa hein?
– Onde você pensa em fazer isso? – Ela perguntou com os braços em volta do pescoço dele. Seu olhar era direto, e havia certo sorriso em seu rosto agora.
– E o que você acha de ser lá no quarto?
– Acho que essa foi a melhor ideia da noite.
Ele então a pegou no colo e foram para o quarto.

Embora algo possa ser tirado dessa noite, o fato é que, em tal depoimento não cabe a nós criticarmos ou avaliarmos. Nossa tarefa aqui é apenas testemunhar. Testemunhamos que certos amores nascem nos momentos mais curiosos, e que este mesmo amor pode nos cegar, mas acima de tudo, testemunhamos que se este amor é algo verdadeiro ele irá prevalecer sempre, mesmo aos trancos e barrancos da vida.

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